Por Ariel Silva*
Foi publicada em 1º de abril de 2020 a Medida Provisória nº 936 (“MP 936”), que prevê a instituição do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (“Programa Emergencial”), implementado como medida de enfrentamento aos efeitos econômicos e sociais da pandemia do Covid-19.
O Programa Emergencial tem como principais objetivos: (i) preservar o emprego e a renda; (ii) garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e (iii) reduzir o impacto social trazido pelo estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública causado pelo Covid-19.
Diante disso, a MP 936 estabelece a possibilidade de redução da jornada de trabalho dos empregados com preservação de renda, bem como a suspensão dos contratos de trabalho com pagamento de benefício emergencial, além de dar outras provisões de ordem geral. Abaixo resumimos os principais aspectos trazidos pela MP 936.
A MP 936 permite que o empregador reduza proporcionalmente a jornada de trabalho e o salário de seus empregados, através da celebração de acordo individual escrito ou acordo coletivo de trabalho, desde que atendidas as seguintes condições:
A MP 936 prevê três faixas de redução proporcional da carga horária e salário dos empregados: 25%, 50% e 70%. A União complementará a renda dos empregados que tiverem suas jornadas e salários reduzidos por meio da concessão do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (“Benefício Emergencial”), que tem como base de cálculo o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.
O valor do benefício a ser pago é correspondente ao percentual do seguro desemprego equivalente ao percentual da redução de jornada e salário, como resumido a seguir:
Redução |
Valor da Preservação do Emprego e da Renda |
Acordo individual |
Acordo Coletivo |
25% |
25% do seguro desemprego |
Aplicável a todos os empregados |
Aplicável a todos os empregados |
50% |
50% do seguro desemprego |
Aplicável a empregados com salários de até R$3.135,00 ou hipersuficientes[1]. |
Aplicável a todos os empregados |
70% |
70% do seguro desemprego |
Aplicável a empregados com salários de até R$3.135,00 ou hipersuficientes. |
Aplicável a todos os empregados |
A MP 936 prevê, ainda, a possibilidade de o empregador acordar com os empregados a suspensão de seus contratos de trabalho. Em tais casos, os empregados receberão o Benefício Emergencial pelo prazo máximo de 60 (sessenta) dias, que poderá ser fracionado em até 2 períodos de 30 (trinta) dias.
A suspensão do contrato de trabalho poderá ser pactuada por meio de acordo individual escrito com o empregado, ou ainda por meio de acordo coletivo de trabalho. Na primeira hipótese, a proposta de suspensão do contrato de trabalho deverá ser encaminhada ao empregado com antecedência mínima de 2 (dois) dias corridos.
Durante a suspensão contratual, o empregador deverá manter os benefícios pagos aos empregados (e.g. vale-refeição, plano de saúde, etc.). Nesse período, o empregado não poderá exercer quaisquer de suas atividades de trabalho, ainda que parcialmente, seja presencialmente, seja por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância, sob pena de o empregador ter que realizar o pagamento imediato da remuneração e dos encargos sociais referentes a todo o período, além de ser penalizado conforme previsto na legislação em vigor ou instrumentos normativos.
O Benefício Emergencial será pago com recursos da União pelo período que durar a redução de jornada e salário ou a suspensão do contrato de trabalho, independentemente do cumprimento de período aquisitivo, do tempo de vínculo empregatício ou do número de salários recebidos pelo empregado.
O valor terá como base de cálculo o valor mensal do seguro desemprego ao qual o empregado teria direito, e deverá variar de acordo com o percentual da redução de jornada e salário ou a depender da receita bruta anual da empresa cujos empregados tiverem seus contratos de trabalho suspensos.
A concessão do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda não impede o pagamento, nem altera o valor do seguro desemprego a que o empregado vier a ter direito. Apenas não terão direito ao recebimento os que estiverem: (i) ocupando cargo ou emprego público, cargo em comissão de livre nomeação e exoneração ou titular de mandato eletivo ou (ii) em gozo do benefício de prestação continuada do RGPS, exceto pensão por morte ou auxílio acidente; seguro-desemprego em qualquer de suas modalidades ou bolsa de qualificação profissional de que trata o art. 2º-A da Lei n° 7.998, de 1990[2].
A MP 936 também estabelece determinadas regras afetas ao pagamento do Benefício Emergencial e à concessão de ajuda compensatória pelo empregador, que variam de acordo com a receita anual bruta da empresa. Abaixo resumimos os principais aspectos envolvendo tais regras:
Receita bruta anual da empresa |
Ajuda compensatória do empregador |
Valor do benefício |
Acordo individual de trabalho |
Acordo coletivo de trabalho |
Até R$ 4.8 milhões |
Não obrigatória |
100% do seguro desemprego |
Aplicável a empregados com salários de até R$3.135,00 ou hipersuficientes4. |
Aplicável a todos os empregados |
Acima de R$ 4,8 milhões |
Obrigatória: 30% do salário do empregado[3] |
70% do seguro desemprego |
Aplicável a empregados com salários de até R$3.135,00 ou hipersuficientes. |
Aplicável a todos os empregados |
É assegurada, ainda, a garantia provisória no emprego ao empregado que tiver seu contrato de trabalho suspenso ou sofrer redução de jornada e salário. A garantia vigorará durante o período da suspensão ou redução, e, após o restabelecimento da jornada ou do contrato, por período equivalente a duração da suspensão ou redução.
Caso ocorra a dispensa sem justa causa[4] do empregado durante o período da garantia provisória no emprego, o empregador deverá pagar, além das verbas rescisórias previstas em lei, as seguintes parcelas indenizatórias:
As convenções e/ou acordos coletivos de trabalho celebrados anteriormente à publicação da MP 936 poderão ser renegociados visando à adequação de seus termos às regras da nova MP, no prazo de 10 (dez) dias corridos a contar de sua publicação.
Em tais casos, a convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade das normas coletivas de trabalho poderão ser feitas por meios eletrônicos e com prazos reduzidos pela metade.
Caso o empregado já tenha celebrado acordo individual com a empresa nos termos da MP 936 e sobrevenha convenção ou acordo coletivo de trabalho que verse sobre o tema, prevalecerão as regras estabelecidas na norma coletiva.
Para os acordos coletivos de trabalho que venham a estabelecer percentual de redução de jornada e salário diverso das faixas estabelecidas pela MP 936, o benefício emergencial de preservação do emprego e da renda será pago nos seguintes patamares:
(i) redução inferior a 25%: não haverá direito ao benefício emergencial; (ii) redução entre 25% e 50%: benefício no valor de 25% do seguro desemprego; (iii) redução entre 50% e 70%: benefício no valor de 50% do seguro desemprego; (iv) redução igual ou superior a 70%: benefício no valor de 70% do seguro desemprego.
A jornada de trabalho e o salário pago anteriormente serão restabelecidos no prazo de 2 (dois) dias corridos, contado: (i) da cessação do estado de calamidade pública; (ii) da data estabelecida no acordo individual como termo de encerramento do período e redução pactuado; ou (iii) da data de comunicação do empregador que informe ao empregado sobre a sua decisão de antecipar o fim do período de redução pactuado.
Durante o estado de calamidade pública, o curso ou o programa de qualificação profissional de que trata o art. 476-A da CLT, poderá ser oferecido pelo empregador exclusivamente na modalidade não presencial, e terá duração não inferior a um mês e nem superior a três meses.
O empregado com contrato de trabalho intermitente fará jus ao Benefício Emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), pelo período de três meses.
A MP 936 aplica-se aos contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial.
As irregularidades constatadas pela Auditoria Fiscal do Trabalho quanto aos acordos de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho previstos na MP 936 sujeitam as empresas infratoras aos critérios estabelecidos pela legislação em vigor.
A ajuda compensatória mensal, que deverá ter o valor definido no acordo individual pactuado ou em negociação coletiva, terá natureza indenizatória. Além disso, a ajuda compensatória mensal n ão integrará a base de cálculo: (i) do imposto sobre a renda retido na fonte ou da declaração de ajuste anual do imposto sobre a renda da pessoa física do empregado; (ii) da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários; (iii) do valor devido ao FGTS. Por fim, ajuda compensatória mensal poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.
[1] De acordo com a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”), empregados hipersuficientes são aqueles que percebem salário mensal duas vezes superior ao teto do Regime Geral de Previdência Social (“RGPS”), que atualmente totaliza R$ 12.202,12, bem como possuem diploma de nível superior.
[2] O art. 2º-A da Lei n° 7.998, de 1990 institui a bolsa de qualificação profissional, que é custeada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (“FAT”) e à qual faz jus o trabalhador que está com o contrato de trabalho suspenso em virtude de participação em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, em conformidade com o disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho estabelecido para este fim.
[3] A ajuda compensatória mensal concedida pelo empregador não terá natureza salarial, não integrará a base de cálculo do imposto de renda, da contribuição previdenciária, dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários e do valor devido ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (“FGTS”).
[4] Não se aplica às hipóteses de demissão a pedido do empregado ou por justa causa.
* Advogado, consultor e professor universitário.